Mosca dos estábulos: como evitar surtos nas propriedades?

Postado em: 27/09/2019 | 9 min de leitura Escrito por:
A Stomoxys calcitrans, mais conhecida como mosca dos estábulos, é uma das moscas que causa mais prejuízo aos rebanhos nacionais. Ela tem como hospedeiros a maioria dos animais e o próprio homem, e se desenvolve em restos de matéria orgânica em decomposição, como fezes dos animais mal manejadas e restos alimentares.

Esses materiais quando começam a fermentar formam um substrato favorável à postura dos ovos e à proliferação dessa mosca. Um fator predominante para o aparecimento desse parasita é a proximidade com culturas que utilizam esses materiais sem o manejo correto. Estudos demonstram que o excesso de chuvas e altas temperaturas também agravam o problema, pois essas condições favorecem o ciclo evolutivo desse inseto.

A mosca dos estábulos é facilmente confundida com a doméstica. Diferencia-se pelo seu aparelho sugador, que é projetado para frente. Tanto o macho quanto a fêmea nutrem-se de sangue de uma a duas vezes por dia e as fêmeas podem desovar de 25 a 50 ovos, na matéria orgânica em decomposição.

Surtos dessa mosca, de pequena extensão e duração, têm sido noticiados há alguns anos, ocorrendo próximos a áreas canavieiras e/ou de confinamento de bovinos, associados ou não às usinas alcooleiras ou sucroalcooleiras. 

Biologia e importância
 
Esta mosca está presente em comunidades e instalações rurais próximas ao homem e animais. 
 
Quando adultas medem de 4 a 7 mm de comprimento e possuem coloração cinza, com quatro faixas negras longitudinais no dorso do tórax e três manchas escuras conspícuas no segundo e terceiro segmentos abdominais. Os palpos são finos e curtos. A probóscide é altamente quitinizada e projetada frontalmente, perfeitamente adaptada para picar e sugar através da pele de seus hospedeiros.

Difere da mosca doméstica, Musca domestica, pelo aparelho bucal picador e pelo abdômen, que é mais curto e largo em S. calcitrans. Difere da mosca-dos-chifres que é menor (3 a 5 mm e 4 a 7 mm, respectivamente), possui a probóscide rígida projetada para baixo, e as faixas dorsais do tórax inconspícuas.



Figura 1: Adultos de três dípteros muscídeos: mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans), mosca doméstica (Musca domestica) e mosca-dos-chifres (Haematobia irritans), com detalhes dos respectivos aparatos alimentares (probóscides).

Ciclo biológico
 
O ciclo de vida ou biológico apresenta as fases de ovo, larva de 1o instar (L1), larva de 2o instar (L2), larva de 3o instar (L3), pupa e adulto. Os adultos realizam um acasalamento único cerca de dois a três dias após a emergência. Após o acasalamento, as fêmeas realizam a postura de forma aglomerada (massa de ovos) em grupos de, no mínimo, 20 ovos em matéria orgânica em decomposição. Cada fêmea pode produzir mais de sete ciclos ovarianos, fazendo postura de cerca de 500 a 1.000 ovos durante sua vida.


Figura 2: Ciclo biológico da mosca-dos-estábulos, Stomoxys calcitrans L. (Diptera: Muscidae).

A temperatura ideal para o desenvolvimento e maior sobrevivência da mosca está ao redor de 25ºC. Sob temperatura de 25ºC, por volta de um a dois dias após a postura, ocorre a eclosão da larva de 1o instar, que sofre duas mudas até atingir a fase de 3o instar.
 
Todos os instares larvais se alimentam na matéria orgânica e o período de L1 a L3 dura cerca de dez a treze dias. Essa larva de 3o instar dá origem à fase de pupa, que ocorre nas porções mais secas da matéria orgânica em decomposição. Após cerca de quatro a seis dias a pupa dá origem a um espécime adulto. Esta mosca não pode ser criada à temperatura igual ou superior a 35ºC.
 
O período de desenvolvimento, ou ciclo evolutivo dessa mosca (ovo até adulto), é completo em torno de duas a três semanas em climas quentes, podendo durar mais de dois meses em climas temperados. O período médio de vida de uma mosca adulta é de 15 a 30 dias. Os adultos, após seis horas de sua emergência, estão aptos a realizar a hematofagia.

Existem muitos dados sobre o ciclo biológico e comportamento da mosca que, em alguns casos, diferem um pouco entre si. Essas variações se devem às condições climáticas das diferentes regiões nas quais os estudos foram realizados ou das condições artificiais quando conduzido em laboratórios. Além dos restos alimentares sob cochos, também o vinhoto (vinhaça) pode atrair e estimular a postura desse díptero.

A postura e o desenvolvimento larval ocorrem em resíduos orgânicos de origem vegetal ou animal em processo de decomposição ou de fermentação, com umidade elevada e temperatura entre 15ºC e 30ºC. Fezes de animais domésticos, cama de aviários e de outros animais, palha, feno, restos de lavouras, bagaço de cana ou de frutas, grãos ou farinhas umedecidas, resíduos alimentares acumulados em confinamentos de animais misturados com fezes e urina, decomposição de lixo sanitário, e em locais que há formação de húmus (minhocários, composteiras e esterqueiras a céu aberto) podem servir como substrato para o desenvolvimento das larvas da mosca.

Importância econômica e veterinária

Os adultos de ambos os sexos da mosca-dos-estábulos são hematófagos. Além da perda de sangue, as suas picadas são muito doloridas e dependendo do grau de infestação provocam muito estresse com alterações no comportamento dos animais, contribuindo para a redução de ganho de peso.
 
Esse inseto é capaz de atuar na transmissão de vários patógenos: servir como hospedeiro intermediário para os nematoides Habronema microstoma, agente da habronemose gástrica e/ou cutânea dos equinos, e Setaria cervi, que parasita a cavidade peritoneal de ruminantes; transmitir o vírus da anemia infecciosa equina; atuar como vetor mecânico na transmissão de Trypanosoma evansi e Trypanosoma vivax; e como vetor biológico na transmissão da mosca-do-berne, Dermatobia hominis.
 
Essas moscas atacam preferencialmente equinos e bovinos, e podem atacar outros animais domésticos e o homem. No geral, preferem as partes baixas dos animais. No ato de alimentação (repasto), perfuram a pele várias vezes e ficam repletas de sangue em três minutos em um único repasto. Depois de alimentadas, pousam em locais como celeiros, cercas, estábulos, árvores, entre outros. Nas horas mais quentes abrigam-se, preferencialmente, em lugares sombreados e/ou frescos.
 
A espoliação e a irritação, provocadas nos animais, fazem com que estes tenham decréscimo do peso corporal (15% a 20%) e prejuízo na produção de leite (40% a 60%). O total de danos que essa mosca pode provocar depende, naturalmente, do grau de infestação nos animais.


 Bovino infestado por mosca-dos-estábulos. Destaque ao comportamento do
inseto quanto a sua preferência em atacar os animais nos membros, especialmente as pernas dianteiras, e a região torácica e ventral.

Alternativas de controle
 
• Manter a higiene das instalações, principalmente naquelas propriedades com sistema de confinamento ou leiterias- limpando sistematicamente fezes e restos alimentares.
• Remoção e destino adequado (espalhamento ou compostagem) dos resíduos alimentares de animais, bem como de dejetos e matéria orgânica acumulados, pois representam fontes de criação de larvas de moscas nas fazendas.
• Revolver o material de compostagem completamente duas vezes por semana e drenar a água da chuva.
• Avaliar a eficácia dos diferentes princípios ativos inseticidas utilizados no combate às moscas adultas antes de sua aplicação visando ao controle destas.
• Usar, quando necessário, inseticidas que sabidamente funcionam, na dose correta e com origem reconhecida e registro para uso em animais.
• Procurar a assistência técnica, sempre, e, especialmente, quando for percebido que os produtos de controle não estão fazendo o efeito desejado por mais que sigam corretamente as indicações contidas nos respectivos rótulos.
• Realizar o controle químico, quando necessário, apenas nos dias previamente programados, de forma coordenada. Assim, assegura-se o controle efetivo e duradouro e aumenta o tempo de repovoamento da área tratada. Essa programação deve incluir todas as propriedades envolvidas e adjacentes ao problema.

O uso de inseticidas de maneira generalizada e repetida, baseado no comportamento da mosca-dos-estábulos (instalações, locais de proliferação, demais ambientes de refúgio, entre outros), pode trazer desequilíbrios ambientais. O uso frequente de inseticidas nos animais não é sustentável por não ser eficiente quando utilizado isoladamente e propiciar seleção e desenvolvimento de populações resistentes.

Salienta-se que o uso frequente e a adoção de dosagens inadequadas de inseticidas nos animais podem causar diferentes graus de resistência na mosca-dos-estábulos, da mesma forma como aconteceu em relação a carrapato. Atualmente, a resistência da mosca-dos-chifres e de carrapato aos piretroides, no Brasil, é generalizada.  Esforços devem ser direcionados na busca de medidas preventivas ao desenvolvimento de moscas, tanto na usina como nas propriedades de produção pecuária.

Pesquisadores da Embrapa em Campo Grande (MS) detectaram a ocorrência de resistência da mosca-dos-estábulos à cipermetrina, inseticida do grupo dos piretroides. Produtos comerciais com este e outros acaricidas e inseticidas têm ampla ação e são utilizados em propriedades rurais no controle de ectoparasitos do gado, como a mosca-dos-chifres e carrapatos. A resistência foi detectada após a realização de experimentos em 2016 envolvendo populações de cinco municípios de Mato Grosso do Sul. Os pesquisadores advertem que produtos comerciais com o princípio ativo têm demonstrado eficácia reduzida em surtos do inseto.

Com o objetivo de diminuir uma possível contribuição da vinhaça para a multiplicação da mosca sugere-se:

• Distribuição fracionada em duas etapas com intervalo entre aplicações, suficiente para que seja rapidamente absorvida pelo solo.
• Realizar, se possível, o trato cultural de incorporação da palha de cana pós-colheita ao solo após a primeira aplicação de vinhaça.
• Se possível, não distribuir quando o solo ainda estiver encharcado com água de chuvas.

A distribuição fracionada da vinhaça, em razão das moscas serem por ela atraídas para efetuar a postura, pode influenciar negativamente na sobrevivência das larvas da mosca. No caso da aplicação nos canaviais, pode-se obter sucesso no controle de ovos e larvas da mosca ao utilizar a primeira fração de vinhaça como isca para a postura, realizando em seguida tratos culturais para incorporação da palha acumulada sobre o solo (empregando cultivadores), enterrando-se, assim, também ovos e larvas de moscas. Esta prática modifica o microclima  do solo/palhada e contribui ainda para inviabilizar o desenvolvimento da mosca. 

Independente da existência ou não de usinas sucroalcooleiras nas proximidades da área de produção animal, recomenda-se a limpeza dos locais de ajuntamento de resíduos alimentares e excrementos de animais, que ocorrem em currais, locais de ordenha, baias, confinamento e malhadouros (locais de pernoite), ou qualquer local que possa acumular matéria orgânica. Pastagens vedadas, com abundância de forragem seca e palhada, também podem, em condições de muita umidade, permitir o desenvolvimento de moscas. Assim, o manejo da pastagem torna-se importante estratégia auxiliar no controle da mosca-dos-estábulos.

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Fonte consultada:

Surtos da mosca-dos-estábulos, Stomoxys calcitrans, em Mato Grosso do Sul: novo problema para as cadeias produtivas da carne e sucroalcooleira? (https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/659108/surtos-da-mosca-dos-estabulos-stomoxys-calcitrans-em-mato-grosso-do-sul-novo-problema-para-as-cadeias-produtivas-da-carne-e-sucroalcooleira)
 
 
 

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