NUL: Como utilizar essa ferramenta para melhorar a formulação de dietas das vacas?

Postado em: 05/11/2019 | 10 min de leitura Escrito por:
* Baseado em artigos de Marina Camargo Danés e Ana Flávia de Morais Andrade, anteriormente publicados no site MilkPoint.

O nitrogênio ureico no leite (NUL) é um indicativo da adequação ou excesso de amônia ruminal em relação à energia disponível para o crescimento microbiano no rúmen. Alta quantidade de proteína disponível no rúmen (degradável/solúvel) em relação à quantidade de carboidratos disponíveis resulta em altos níveis de nitrogênio ureico no leite.

A proteína é um nutriente essencial para o bom funcionamento do organismo da vaca de leite e afeta diretamente sua produção. Desta forma, formular dietas que atendam às exigências protéicas do animal é indispensável para obter-se uma boa resposta. Além disso, as fontes proteicas representam a fatia mais onerosa dos custos com alimentação de um rebanho, além dos impactos ambientais causados pelo excesso da excreção do nitrogênio não aproveitado.

Há alguns anos o conceito de proteína bruta (PB) deixou de ser absoluto. Atualmente consideram-se as diferentes frações nutricionais da proteína verdadeira para cálculo de dietas, sendo elas divididas em proteína degradável no rúmen (PDR) e proteína não degradável no rúmen (PNDR). O balanço entre essas duas frações, assim como suas composições, balanço de energia, vitaminas e minerais, interferem no metabolismo e aproveitamento do nitrogênio pelo animal.

A PDR será alvo dos microrganismos no rúmen, que utilizarão os aminoácidos e amônia provenientes de sua degradação para produção de proteína microbiana (Pmic). Para que ocorra essa degradação, a microbiota necessita de energia disponível no rúmen. Caso ocorra deficiência energética para os microrganismos, a síntese de Pmic será prejudicada, promovendo como consequência, uma sobra da PDR. Da mesma forma, se houver excesso de PDR na dieta, haverá amônia em excesso, que será absorvida pelas papilas ruminais e cairá na corrente sanguínea. A amônia é tóxica para o animal e será convertida a ureia no fígado, que pode ser excretada na urina ou reciclada pelo sangue para o rúmen.

Junto com a Pmic, a PNDR deixará o rúmen e seguirá pelo trato gastrointestinal, onde os aminoácidos provenientes de sua digestão serão absorvidos no intestino. O perfil desses aminoácidos é extremamente importante para sua utilização na síntese de proteína do leite. O perfil inadequado ou excesso de PNDR resultam no aumento da excreção de nitrogênio, também na forma de ureia.

Por ser uma molécula neutra e pequena, a ureia equilibra-se rapidamente com os fluidos corporais, difundindo-se pelas células da glândula mamária. Desta forma, os valores de nitrogênio ureico no plasma e no leite são altamente correlacionados, o que possibilita a utilização do NUL como forma de avaliar o status protéico no organismo do animal.

Valores do NUL

O intervalo de valores considerado ideal para o NUL na literatura vai de 8,5 a 16 mg/dL. Valores abaixo indicam deficiência de proteína bruta e PDR na dieta ou excesso de carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen, o que pode comprometer a produção. Acima, indicam excesso de PDR, desequilíbrio na relação energia:proteína no rúmen, excesso de PNDR ou ainda deficiência energética na dieta. Valores acima de 19 mg/dL têm sido associados a reduções na taxa de fertilidade de vacas leiteiras, além do gasto energético para excretar ureia do organismo, energia que poderia estar sendo utilizada para produção de leite.

Frequência de análise do NUL

Analisar o NUL mensalmente seria ideal, com coletas individuais, calculando posteriormente uma média por lote. A média por lote oferece uma análise melhor que a do tanque, uma vez que a dieta não costuma ser a mesma para todo o rebanho. A interpretação dos valores obtidos de acordo com as referências disponíveis na literatura possibilita a adequação da dieta.

Entretanto, os valores de literatura foram obtidos em estudos realizados na Suíça e Estados Unidos, em condições de rebanho, clima, dieta e manejo muito diferentes do Brasil. Além disso, os métodos de análise diferem em seus resultados. Por exemplo, vacas holandesas confinadas recebendo uma dieta com 16,7% de PB, apresentaram valores de NUL de 11, 9 e 12, quando as análises foram analisadas respectivamente por colorimetria, urease e infravermelho. Esse fator, somado à carência de dados obtidos em realidades nacionais, dificulta as recomendações.

Fatores extrínsecos à dieta também podem interferir nos valores de NUL e, portanto, devem ser considerados nas recomendações. A produção de leite, estágio de lactação, raça e as concentrações de proteína e gordura no leite foram relatados por alguns autores como quesitos que podem alterar a concentração de NUL. Isso faz sentido, uma vez que o NUL é um indicador de eficiência de uso de nitrogênio, que é alterada de acordo com o estado fisiológico e metabólico do animal.

Uma ampla avaliação dos efeitos de fatores não-nutricionais nos teores de NUL foi realizada por um estudo de 2006 que utilizou 7.000 observações provenientes de 855 vacas holandesas produzindo em média 35,8 kg/d. Os resultados mostraram que produção de leite e teor de proteína do leite explicam 65 e 60% da variação observada em NUL, respectivamente. Enquanto a produção de leite apresentou associação positiva com NUL, a do teor de proteína do leite foi negativa, o que quer dizer que quando o teor de proteína do leite subiu, o NUL caiu e vice-versa. O número de dias em lactação e número da lactação também se correlacionaram com a concentração de NUL. Por outro lado, peso corporal e relação gordura/proteína não se correlacionaram com os valores de NUL.

Os resultados deste trabalho indicam fortemente que as recomendações de valores de NUL devem considerar os fatores não-nutricionais. Por exemplo, pode ser que exista uma faixa ideal para vacas no terço inicial da lactação e outra no terço-final. Ou que a combinação de valores de NUL e % de proteína do leite seja o indicador mais adequado para monitorar a adequação proteica da dieta.

Apesar de bastante estudado e utilizado em realidades norte-americanas e europeias, faltam estudos mais detalhados sobre esses números com animais, alimentos e ambiente nacionais.

Pesquisa MilkPoint

Em 2017, o MilkPoint disponibilizou um questionário para levantar informações sobre a utilização dos valores de NUL nas fazendas brasileiras.

Em apenas 30 dias, 152 pessoas responderam o questionário, representando 123 mil vacas e 3 milhões de litros de leite. Consultores e produtores rurais foram os principais participantes, mas professores e estudantes também apareceram entre os respondentes (categoria outros, figura 1).

Figura 1. Distribuição dos respondentes do questionário de acordo com a ocupação.


Os consultores que responderam à pesquisa representam em média 67 mil vacas e os tamanhos dos rebanhos variaram de 35 a 10.000 animais. No entanto, a mediana do número médio de vacas atendidas por cada consultor respondente foi 600, provavelmente divididas em diversas propriedades. Já dentre os produtores, houve grande participação de propriedades menores, sendo que 49% dos produtores respondentes são de propriedade com menos de 50 vacas. Quando somamos a essa categoria os criadores de até 100 animais esse número sobe para 63%. No entanto, produtores maiores também participaram, 31% com número de animais entre 101 e 500 e 4%, de 1.001 a 3.000 vacas.

Apesar da diversidade de tamanhos de rebanho representados no questionário, a média de produção de leite foi bastante constante entre consultores e técnicos e foi em torno de 23 L/d, variando de 10 a 40 L/d. Além disso, a produção média diária não apresentou correlação com o número de vacas representadas por cada respondente. A figura 2 mostra a distribuição da produção média diária entre os respondentes.

Figura 2. Distribuição da produção média diária entre os respondentes.


Apesar da alta representatividade do questionário, apenas 63% dos respondentes realizam análise de NUL, predominantemente em amostras coletadas no tanque (68% dos respondentes) e uma vez por mês (76% dos respondentes). Os consultores apresentaram maior familiaridade com a ferramenta, com frequência de utilização de 73% contra 49% entre produtores. Como discutido anteriormente, a análise de tanque representa baixo potencial de avaliação da dieta. Esses dados revelam um potencial imenso de crescimento na utilização da ferramenta NUL, evidenciando a necessidade de recomendações mais sólidas e baseadas em dados nacionais.

A amostragem de todas as vacas individualmente é feita por 24% dos respondentes. A composição do leite individual é uma informação poderosa para aferir a dieta realmente consumida por cada vaca, já que na maior parte das vezes elas são alimentadas em lotes, tornando impossível obter essa informação pela avaliação de sobras no cocho. O leite é o produto final do metabolismo dos nutrientes de fato ingeridos, de modo que não há nada melhor do que a própria vaca para nos informar se a dieta está ou não adequada e ainda nos indicar qual é o problema.

A frequência mensal de análises individuais é, na maioria das situações, adequada para avaliação da dieta, pois permite um tempo de adaptação dos animais após alguma intervenção. Além disso, a maior parte das propriedades ajusta a dieta e o agrupamento dos animais mensalmente.

No entanto, para animais consumindo dietas potencialmente variáveis, como em pastejo, em que a composição do capim pode variar de acordo com o piquete, maior frequência de análise permitiria mais ajustes na dieta. Nesse caso, quando todas as vacas pastejam os mesmos piquetes, a análise do tanque pode ser bastante útil (e mais barata do que uma análise bromatológica do capim) para avaliar mudanças na composição nutricional do pasto e deve ser realizada mais frequentemente.

Um potencial problema com a utilização dos valores de NUL é a real adequação de recomendações estrangeiras em condições brasileiras. De fato, a faixa considerada adequada pela grande maioria dos usuários da ferramenta é de 10 a 14 mg/dL, exatamente os valores de referência encontrados na literatura atual, baseada exclusivamente em rebanhos americanos. Esta é uma recomendação bastante genérica e que ainda não foi sistematicamente validada na realidade brasileira. Experimentos brasileiros já demonstraram que vacas em pastagens bem manejadas apresentaram valores médios de NUL de 8 mg/dL sem nenhum prejuízo no consumo de alimento, no metabolismo proteico e na produção de proteína do leite.

Um quarto dos participantes que realizam a análise de NUL nas propriedades não utiliza critérios adicionais para as recomendações consideradas adequadas. Entre os que utilizam, os critérios adicionais mais citados foram o teor de proteína do leite, dias em lactação (DEL), e teor de gordura do leite. Poucos respondentes citaram paridade e composição racial como critérios.

A utilização conjunta de NUL e teor de proteína do leite permite especular de forma muito mais completa sobre o metabolismo do N no animal. Por exemplo, alto NUL e baixa proteína no leite muito provavelmente indicam falta de energia no rúmen. Por outro lado baixo, NUL e baixa proteína são indicativos de falta de proteína degradada no rúmen (PDR) e a situação provavelmente virá acompanhada de queda de consumo de alimento e desempenho.

Também faz bastante sentido que DEL e composição racial afetem a secreção de NUL. No início da lactação, devido ao baixo consumo de MS e alta produção de leite, as vacas encontram-se em balanço energético e proteico negativos, resultando na mobilização de tecidos do corpo. Quando a proteína muscular é mobilizada e seus aminoácidos utilizados para produção de energia, o NUL aumenta. Em situações como essa, o escore de condição corporal pode ser um importante critério adicional para determinação de valores de referência. A composição racial afeta o teor de proteína e gordura do leite, potencialmente por causa de diferenças no metabolismo de nutrientes que também podem afetar NUL.

Os resultados deste questionário deixam claro que diferentes protocolos de amostragem (frequência e unidade de coleta) devem ser avaliados e comparados entre si, levando em conta também o custo das análises. Além disso, os valores de referência devem ser determinados em situações em que a composição da dieta e o consumo de alimento sejam conhecidos para que os balanços de PDR e proteína metabolizável possam ser estimados por um modelo nutricional.

Por fim, as correlações entre NUL e outras variáveis potencialmente importantes para o metabolismo proteico devem ser cuidadosamente estudadas para que recomendações mais específicas possam ser desenvolvidas.

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Fontes consultadas:

Nutrição de precisão: como o NUL pode ajudar na formulação de dietas mais precisas? (https://www.milkpoint.com.br/colunas/marina-danes/nutricao-de-precisao-como-o-nul-pode-ajudar-na-formulacao-de-dietas-mais-precisas-103999n.aspx)

Nutrição de precisão: como o NUL pode ajudar na formulação de dietas mais precisas? - Parte 2 (https://www.milkpoint.com.br/colunas/marina-danes/nutricao-de-precisao-como-o-nul-pode-ajudar-na-formulacao-de-dietas-mais-precisas-parte-2-105480n.aspx)

Nutrição, nitrogênio uréico no leite e reprodução (https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao/nutricao-nitrogenio-ureico-no-leite-e-reproducao-15918n.aspx)
 

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