Clostridioses: Como evitar perdas no rebanho

Postado em: 19/09/2019 | 11 min de leitura Escrito por:
Clostridioses é o termo genérico usado para denominar as doenças causadas por bactérias do gênero Clostridium. Estes micro-organismos normalmente se encontram presentes no intestino dos animais e no ambiente, através de formas de resistência chamadas de esporos e podem causar várias enfermidades em bovinos, levando à queda de produção e até mesmo à morte dos animais.

De acordo com os sintomas causados e os sistemas afetados, podemos dividir as clostridioses em quatro grandes grupos, sendo eles: clostridioses neurotrópicas, mionecrosantes, entéricas/enterotoxêmicas e hepatonecróticas. A tabela abaixo resume as principais doenças e seus agentes etiológicos.

Tabela 1: Principais doenças causadas por clostrídios em bovinos de leite e seus agentes etiológicos


As lesões causadas nos órgãos e tecidos dos animais são consequência das toxinas produzidas pelos clostrídios, que agem no local que foram produzidas e/ou em outros sítios do corpo. Na grande maioria dos casos, se trata de episódios de toxi-infecção, nos quais a bactéria coloniza algum tecido animal e produz suas toxinas. A principal exceção a esta regra é o botulismo, em que, na maioria das vezes, o animal já ingere a toxina pré-formada ao se alimentar de carcaças, alimentos em decomposição ou beber água de fontes contaminadas.

Apesar de poderem ocorrer de forma isolada, algumas clostridioses como botulismo, gangrena gasosa e tétano normalmente ocorrem em forma de surtos, acometendo um grande número de animais e com alta taxa de mortalidade. Via de regra, estes surtos têm fatores predisponentes em comum e correlacionados a erros de manejo, como a não vacinação dos animais, a vacinação com agulhas contaminadas, a suplementação mineral inadequada, a permissão de acesso dos animais a fontes de água e alimentos impróprios para consumo, entre outros.

Como clostridiose é um termo já consagrado na pecuária, é comum o seu uso por proprietários e até veterinários. Entretanto, é de extrema importância saber qual a doença específica que acomete o rebanho para traçar as medidas de controle e prevenção mais adequadas, contendo e eliminando o problema. Para tal, é indispensável a presença de um médico veterinário para fornecer orientação técnica e a atualização de proprietários e funcionários para que fiquem atentos aos sintomas mais comuns de cada doença.

O diagnóstico de algumas doenças, como o tétano, é predominantemente clínico, entretanto, outras enfermidades clostridiais necessitam de diagnóstico laboratorial. Isto significa que, para que o diagnóstico seja fechado, é essencial que o veterinário colete material clínico adequado, o acondicione corretamente e envie para um laboratório apto a realizar os exames complementares requeridos. Sem esta etapa, o diagnóstico não é completamente confiável e a enfermidade pode se tornar recorrente. Dessa forma, é importante que proprietários e funcionários saibam dos procedimentos necessários para o diagnóstico para poderem contribuir com o veterinário visando uma completa resolução do problema.

O tratamento geral das enfermidades clostridiais se baseia em administração de antibióticos, predominantemente penicilina, e utilização de antitoxinas no caso de botulismo e tétano. Apesar de existente, o tratamento não costuma ser eficaz devido à rápida evolução das doenças, fazendo com que os métodos de prevenção sejam as alternativas mais eficientes para evitar as perdas causadas pelas clostridioses.

Para a prevenção e controle das enfermidades clostridiais, algumas recomendações de manejo são indicadas, como evitar materiais perfurocortantes nas instalações, providenciar correto destino das carcaças e evitar a utilização de uma mesma agulha ao vacinar ou medicar animais. Apesar de eficientes, nenhuma dessas medidas substitui a vacinação contra as clostridioses, que é a base para o controle destas doenças em qualquer propriedade.

Quanto aos tipos de vacinas, podem ser monovalentes, conferindo proteção contra apenas um agente clostridial, ou polivalentes, que contêm em sua formulação dois ou mais agentes, protegendo o animal de diversas doenças. Pela praticidade de aplicar apenas uma vacina e proteger o rebanho contra todas as clostridioses, as vacinas polivalentes tem dominado o mercado.

Estudos realizados nas duas últimas décadas demonstraram um baixo poder imunogênico de diversos produtos disponíveis no mercado. Entre as vacinas testadas, havia toxóides botulínicos dos tipos C e D, toxóides tetânicos, vacinas contra C. perfringens tipos C e D, vacinas contra C. novyi tipo B e vacinas contra C. sordellii. Entretanto, a partir da década de 90, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem feito o controle oficial de vacinas contra diversos agentes (C. botulinum, C. chauvoei e toxinas β e ε de C. perfringens), aumentando a confiabilidade dos produtos colocados à venda.

Uma vez adquiridas as vacinas, veterinários e produtores devem se atentar para evitar os erros durante a administração das mesmas, com o objetivo de evitar possíveis falhas vacinais. Entre os erros mais comuns, estão a utilização de vacinas fora do prazo de validade, a não manutenção da cadeia de frios (vacinas mantidas à temperatura ambiente) e a utilização de uma mesma agulha para vacinar diversos animais. Esse último fator, apesar de não influenciar na qualidade do produto, é um fator predisponente para o estabelecimento de gangrena gasosa, sendo indicado que se troque de agulha a cada 10 animais vacinados.

Apesar da vacinação não ser garantia completa de proteção, ela é a principal forma de controle das doenças causadas por clostrídios quando realizada de acordo com as recomendações técnicas ideais. O protocolo de vacinação indicado, resumido na tabela abaixo, é a primo-vacinação composta de duas doses intervaladas de 4-6 semanas e reforço anual (com exceção de C. haemolyticum, em é recomendado reforço semestral). Nas enfermidades em que animais recém-nascidos são acometidos, recomenda-se a vacinação das fêmeas gestantes entre os 60 e 30 dias que antecedem o parto. Os anticorpos da mãe são transferidos para os bezerros através do colostro e os protegem por até 3-4 meses após o nascimento, devendo então a primo-vacinação ser realizada após este período.

Tabela 2: Esquema de vacinação contra as principais clostridioses indicada para bovinos de leite


O conhecimento mais aprofundado sobre as clostridioses, tão frequentes na pecuária leiteira, permite que produtores e veterinários trabalhem juntos para controlar os possíveis surtos que apareçam em seu rebanho e, principalmente, estabeleçam as medidas necessárias para que os animais fiquem livres destas enfermidades.

Confira abaixo informações sobre duas das principais clostridioses: tétano e botulismo

Tétano

O tétano é uma doença muito comum, relatada também em humanos, causada pela bactéria Clostridium tetani, que produz duas toxinas: tetanolisina e tetanospasmina - principal neurotoxina envolvida com a sintomatologia dessa doença.

A transmissão se dá no contato com feridas que não estão com assepsia adequadas, como: castração, tosquia, vacinação, entre outros ferimentos perfurantes que possam ser contaminados com esporos de Costridium tetani, presentes no ambiente. Um ambiente de baixo oxigênio (anaerobiose) também favorece a produção dessa toxina pela bactérias.

Diagnóstico

O diagnóstico de tétano é simples, sendo possível observar a sintomatologia clínica característica. Como a tetanospasmina começa a agir nas terminações nervosas dos neurônios motores, migrando para o Sistema Nervoso Central, o animal apresenta um quadro de paralisia espástica, ou seja, fica todo contraído.

Apesar disso, muitas vezes o proprietário ou o veterinário optam por fazer um esfregaço da ferida para identificar o agente causador. É feito, então, o método de coloração GRAM, que é totalmente aplicável no campo. Como se pode ver na figura abaixo, o esporo é bem característico, com um formato de raquete.



Além disso, pode-se fazer um isolamento do microrganismo da ferida, mas o principal é o diagnóstico clínico.

Tratamentos

O tratamento baseia-se no uso da antitoxina que é aplicada de maneira intravenosa ou no espaço subaracnóideo, dependendo do peso do animal. Além disso, muitas vezes, faz-se uso da antibioticoterapia, tanto local quanto sistêmica.

Também é necessário fazer o tratamento da ferida, com seu debridamento e o uso de peróxido de hidrogênio (água oxigenada), com o objetivo de oxigenação e eliminação das bactérias.

Faz-se, também, o tratamento de suporte. Como esses animais estão muito reativos a estímulos ambientais, devem ficar em locais calmos, sedados, podendo ser feito uso de relaxantes musculares.

Controle

O principal controle, assim como todas as outras clostridioses, é com a vacinação, que é essencial para que os anticorpos produzidos pelo animal neutralizem as toxinas.

Medidas adequadas de manejo, como manter os animais em ambientes limpos e sem estresse, cuidados na vacinação, e cautela para que não ocorram lesões nos animais, também fazem parte do controle.

Botulismo

O botulismo é definido como uma intoxicação, causada pela ingestão ou absorção, por parte da mucosa intestinal, de toxina pré-formada da bactéria Clostridium botulinum, resultando em um quadro de paralisia motora progressiva. Essa doença, também conhecida como doença da vaca caída, tem acometido muitos rebanhos, causando grandes prejuízos devido às altas taxas de mortalidade dos animais.

Essa doença pode apresentar-se de duas formas: o “botulismo esporádico” (quando há a ingestão de alimento contaminado, podendo ser a silagem ou a água), ou o “botulismo endêmico” (que ocorre de forma mais constante nas propriedades, como consequência da baixa ou nenhuma mineralização, da falta de correção do solo, e da carência de nutrientes na dieta).

Diagnóstico

A melhor forma de se diagnosticar a doença é na análise clínica, verificando se há presença dos sintomas de paralisia ascendente simétrica. É importante, também, relacionar a fonte de alimento possivelmente contaminada, tentando encontrar fatores predisponentes na propriedade, associando com a sintomatologia clínica que está sendo apresentada pelo animal. Porém, muitas vezes será necessário realizar o diagnóstico laboratorial, e para isso recomenda-se a coleta dos seguintes materiais:

*Conteúdo ruminal/intestinal, pelo fato do animal ter ingerido o alimento com a toxina;

*Fragmentos de fígado, pois o órgão metaboliza essa toxina;

*Fonte (alimento suspeito: silagem, água): importante separar fragmentos do que pode ter veiculado a toxina.

Esse material deve ser enviado rapidamente ao laboratório (em até 48 horas), refrigerado em caixas de isopor com gelo reciclável, em um recipiente hermeticamente fechado.

Prevenção

Como mecanismo de controle, é importantíssimo vacinar todo o rebanho. A primeira dose dessa vacinação deve acontecer a partir dos 12 meses de idade. Mas quando se identifica o risco de botulismo em bezerros, essa vacinação pode ser feita antes deste período. Após essa primeira dose, é fundamental revacinar os animais anualmente. Assim, há a garantia que haja anticorpos circulantes na corrente sanguínea dos animais. Dessa forma, quando a toxina botulínica cair na circulação sanguínea, é possível garantir a neutralização da mesma pelo sistema de defesa do animal. Por isso, manter a vacinação é a principal estratégia de controle dessa doença.

Além disso, outras medidas de controle são recomendadas, como:

*Cautela com fonte de alimentos contaminados;

*Realizar suplementação mineral adequada;

*Corrigir o solo corretamente;

*Abolir o uso da cama de frango, já proibida no país;

*Controlar o acesso dos animais a fontes de água estagnada;

*Retirar carcaças expostas.

Tratamento

O tratamento da doença só é eficiente quando as toxinas não estão completamente ligadas às junções neuromusculares. Uma vez que essa toxina já foi internalizada, e aquele neurônio não consegue mais liberar a acetilcolina para contrair, não é possível fazer um tratamento eficaz. Nesse cenário, é necessário que se espere a metabolização da toxina, e o tratamento principal será o tratamento de suporte.

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* Parte do artigo foi publicado anteriormente no site MilkPoint, sendo de autoria de Carlos Augusto de Oliveira Júnior e Francisco Carlos Faria Lobato - Pesquisadores da UFMG (https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao/clostridioses-um-problema-recorrente-nos-rebanhos-leiteiros-88142n.aspx). Outras informações são oriundas do curso Clostridioses em bovinos: como reconhecer e atuar na prevenção, do EducaPoint.

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