O gerenciamento da criação de bezerras e os ruídos de comunicação

Postado em: 30/08/2017 | 9 min de leitura Escrito por:
* Palestra proferida durante o Interleite Brasil 2017 por Carla Bittar, professora da Esalq USP

Os sistemas de criação de bezerras têm como características recorrentes protocolos de colostragem ineficientes, altas taxas de morbidade e mortalidade, e as consequentes baixas taxas de crescimento. Se consideramos que a importância da colostragem é conhecida faz décadas, assim como a importância da nutrição destes animais, podemos concluir que muitas das ineficiências se devem aos chamados ruídos de comunicação.

Os ruídos de comunicação são as interferências que ocorrem durante a transmissão de uma mensagem, como por exemplo durante o treinamento de um técnico ou de um tratador. Elas podem ocorrer quando o receptor da mensagem não é receptivo e simplesmente não escuta a mensagem ou quando a significação da mensagem é outra devido a experiência do receptor. Por outro lado, os ruídos também podem acontecer quando o emissor utiliza de vocabulário não comum ao emissor. Assim, além da receptividade para a mensagem, é importante que a linguagem utilizada nos treinamentos seja adequada, permitindo a correta significação.

O treinamento do tratador é de extrema importância não somente por que é este colaborador que vai executar todas as atividades com os animais, mas também por que o mesmo vai anotar dados importantes para o monitoramento da atividade. Não se pode esquecer que o folguista também deverá ter entendimento e comprometimento com todas as atividades normalmente realizadas pelo tratador, ou seja, ele também deve ser treinado. Os responsáveis, (técnicos e tratadores) devem ter clareza sobre que índices são importantes, como e com que frequência devem ser anotados, e finalmente, como serão utilizados para ajustes de manejo da criação de bezerros. É importante que cada animal tenha uma ficha de acompanhamento onde serão anotados dados como nome do pai e da mãe, seu número e muitas vezes o seu nome, assim como sua data e estimativa de horário de nascimento. A partir da data de nascimento uma agenda será criada para a bezerra com as datas de pesagens e manejo sanitário (vacinas e vermífugo). Já com a hora de nascimento, será elaborada uma agenda de colostragem da bezerra.
O peso da bezerra ao nascer é ponto de partida e permitirá em curto prazo a determinação do volume de colostro a ser fornecido. Em longo prazo, permitirá a avaliação do programa alimentar durante o período de aleitamento. Os animais podem ser pesados em balança mecânica, mas o peso pode também ser estimado através da fita de pesagem. A fita de pesagem estima o peso dos animais considerando a alta correlação do perímetro torácico com o peso dos animais. Embora não seja o valor real do peso da bezerra recém-nascida, será uma informação extremamente útil para o manejo. Medidas de altura também podem ser tomadas e servirão também para avaliar o crescimento dos animais durante o aleitamento.

 
As recomendações de colostragem são de fornecimento de colostro de alta qualidade, dentro de 6h após o nascimento, no volume de 10% do peso ao nascer. Daí a importância de se ter pelo menos a estimativa do peso através da fita. Quando a colostragem é feita de forma adequada temos menores taxas de mortalidade, maior crescimento animal e até efeitos positivos na produção de leite futura. Assim, esta é uma prática que deve ser priorizada dentro dos bezerreiros. O colostro deve ser avaliado, seja para o fornecimento a bezerra recém-nascida, ou para armazenamento em banco de colostro. Podem ser utilizados colostrômetro ou refratômetro para esta avaliação, sendo também necessário o treinamento para realização desta tarefa.

Quando se faz uso do colostrômetro por exemplo, a temperatura de avaliação pode resultar em erros na classificação como de alta ou baixa qualidade, uma vez que afeta a densidade do material. O tratador deverá anotar na ficha da bezerra a qualidade do colostro fornecido, o volume e o horário de fornecimento. Muitas vezes a avaliação da qualidade acaba tendo uma importância maior para o tratador do que o horário e o volume de fornecimento. É importante frisar que o sucesso da colostragem só ocorrerá se os três fatores forem considerados: qualidade, tempo, volume. O tratador deve ser alertado de que mesmo que acredite que a bezerra mamou na vaca, o fornecimento controlado deve ser realizado. Não temos como saber quanto ou que qualidade de colostro foi ingerida pela recém-nascida. Da mesma forma, quando a qualidade do colostro da vaca recém-parida for baixa, o tratador deverá recorrer ao banco de colostro.
 

O banco de colostro tem como objetivo assegurar a disponibilidade de colostro de alta qualidade para bezerras recém-nascidas. Muitas vezes a qualidade é avaliada somente como concentração de anticorpos, por que é isso que estimamos com o uso do colostrômetro e refratômetro. No entanto, tão importante quanto esta concentração é a qualidade do ponto de vista microbiológico. A ordenha, a manipulação e o armazenamento (em geladeira ou freezer) devem ser realizados com higiene. É comum observamos o armazenamento de forma inadequada, colocando em risco o resultado da colostragem.

Outro ponto que muitas vezes coloca em risco a adequada colostragem é o descongelamento inadequado. Muitos tratadores descongelam colostro em temperaturas elevadas, resultando em desnaturação das imunoglobulinas e consequente perda da sua função biológica. O descongelamento deve ocorrer em banho-maria em temperaturas de no máximo 55°C. Quando o tratador diz que está descongelando 2L de colostro em menos que 10 minutos podemos ter certeza de que falhas na transferência de imunidade passiva estejam ocorrendo.

Outro problema comum é a ideia de alimentação forçada. Como alguns animais não nascem com vigor ou não consomem voluntariamente o volume correspondente a 10% do seu peso ao nascer dentro de 6h, deve-se fazer uso de sonda esofágica. O treinamento para o uso da sonda garante que o animal não seja machucado ou que o colostro não siga pela falsa via, chegando ao pulmão. Existem muitos tipos de sonda no mercado, mas improvisar uma sonda é muito simples, desde que o material adequado seja utilizado. Uma mangueira de silicone acoplado a um funil servem muito bem para esta tarefa. No entanto, temos visto o uso de mangueiras de chuveiro que muitas vezes dificultam a passagem e machucam os animais.
Realizada a colostragem, entre 24 e 48h depois podemos realizar a avaliação do seu sucesso. Utilizando uma amostra de sangue da bezerra que será deixada dessorando podemos fazer leituras com refratômetros (de proteína ou de brix) e verificar se os níveis estão adequados. A alta correlação de imunoglobulinas com proteína sérica ou as leituras de brix são altas até por volta de 48h após a colostragem. Isso quer dizer que fazer leituras com bezerros com por exemplo 5 dias podem levar a erros, perdendo-se a oportunidade de ajustes no protocolo de colostragem e ainda a falsa ideia de que os problemas que deverão ocorrer na saúde das bezerras se devem a algo diferente da colostragem.

Como os refratômetros são idênticos, mas trazem escalas de leituras diferentes, é importante entender que leituras deverão ser consideradas como adequada transferência de imunidade passiva. Utilizando-se o refratômetro de proteína devemos buscar leituras acimas de 5,5 mg/dL, enquanto que no refratômetro de brix valores superiores a 8,4% devem ser obtidos. Este será o último índice avaliado e anotado pelo tratador na ficha da bezerra no que se refere a colostragem. Com estes dados em mãos conseguimos entender se existem problemas no tempo, volume ou qualidade do colostro fornecido. Assim, ajustes no protocolo podem ser realizados ou o treinamento do tratador/folguista poderá ser realizado novamente.

Após o período de colostragem os animais entram no período de aleitamento propriamente dito. Estes animais podem ser aleitados de acordo com o sistema convencional, quando os animais recebem em torno de 10% do seu peso ao nascer, que representa normalmente os 4L/d.

Outro sistema adotado é o aleitamento intensivo, o qual pode ser dividido em três tipos:

1) quando os animais recebem leite à vontade, muitas vezes consumindo até 12L/d;

2) intensivo propriamente, quando recebem 15-20% do peso ao nascer durante todo o aleitamento, o que representa entre 6 e 8 L/d; e

3) programado, quando os animais iniciam com volumes menores, normalmente 4 L/d, passam a receber em torno de 8L/d e voltam a 4L/d de forma a estimular o consumo de concentrado.


O consumo não só da dieta líquida deve ser monitorado, como também o consumo de água e de concentrado. Infelizmente ainda hoje alguns sistemas não fornecem água ou concentrado a bezerros jovens, o que atrasa bastante o desenvolvimento ruminal e diminui as taxas de ganho de peso. Embora não seja necessário anotar o consumo de alimentos diariamente é importante entender o consumo de concentrado por época do desaleitamento.

Durante o aleitamento os animais devem ser pesados por pelo menos mais duas vezes: aos 30 e aos 60 dias, quando deve ocorrer o desaleitamento. Em sistemas onde o aleitamento ocorre mais tarde, deve-se primeiro avaliar a real necessidade disso. Sendo necessário, outra pesagem deverá então ser realizada ao desaleitamento. As taxas de crescimento dos animais dependem do seu consumo de alimentos, mas dois grandes ruídos de comunicação ocorrem neste período.

Primeiro, que o desaleitamento deve ser feito de acordo com a idade, o que pode resultar em reduções na taxa de crescimento devido ao fato do animal não ter consumo de alimento sólido adequado, mas ser desaleitado por que atingiu a idade limite. Os animais devem ter consumo em torno de 700g/d de concentrado para que possam ser desaleitados sem colocar em risco suas taxas de crescimento. Em sistemas de aleitamento intensivo o consumo de concentrado é mais baixo, já que o animal recebe grandes volumes de dieta líquida. Assim, muitas vezes devemos fazer ajustes no manejo alimentar, alterando ou a idade ao desaleitamento ou o volume de dieta líquida fornecida ao final do período.

O segundo ruído é a recomendação de dobrar o peso ao nascer quando o animal for desaleitado, que muitas vezes faz com que os animais tenham período de aleitamento muito longo. As taxas de crescimento observadas com os diferentes sistemas de aleitamento mostram que os animais recebendo 4L/d vão demorar muito tempo para dobrar seu peso ao nascer. Se considerarmos uma bezerra de 40Kg de peso ao nascer, para que tenha 80kg ao desaleitamento com 60 dias, deverá ganhar 670g/d, o que só é possível fornecendo 6L/d de dieta líquida. Com aleitamento convencional observamos em torno de 500g/d de ganho de peso, o que aos 60d resulta em bezerras de 70kg. Isso não quer dizer que o sistema convencional seja ruim ou inadequado e sim que a recomendação de dobrar o peso ao nascer não acontece nesta situação.

Muitas vezes mantem-se a bezerra em aleitamento convencional por até 80-90d para que ela dobre o seu peso e a recomendação seja atendida. Se calcularmos o consumo total de dieta líquida nesta situação (90d) temos um aleitamento de 360 L/animal. Este volume total corresponde ao aleitamento de 6L/d em 60 dias! Fazendo ajustes com estes índices o técnico poderá otimizar os trabalhos no bezerreiro e muitas vezes aumentar as taxas de ganho de peso e reduzir tempo de mão de obra.

Para estes ajustes precisamos anotar dados, gerar índices e treinar os tratadores. O mais importante, sem ruídos de comunicação. Para treinar sem ruídos nada melhor que fazer junto! Passe o dia no bezerreiro, auxiliando e corrigindo todas as tarefas realizadas, de forma que os ruídos de comunicação não ocorram e os índices possam ser os de maior eficiência em um sistema de criação de bezerros.
 
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