Grãos x fibra: como encontrar o equilíbrio na dieta sólida de bezerros leiteiros?

Postado em: 29/03/2019 | 7 min de leitura Escrito por:

Por Carla Maris Machado Bittar, Milaine Poczynek e Lívia Marques Benez.

Artigo publicado anteriormente no site MilkPoint.


A oferta de dieta líquida acima do volume de aleitamento tradicional vem sendo adotada por muitos produtores com o intuito de aumentar o ganho peso de bezerras. Tendo em vista que o maior crescimento nessa fase pode resultar em aumento do potencial de produção futura das fêmeas de reposição do rebanho, este é um bom investimento a ser feito na propriedade.

No entanto, estimular o consumo de alimentos sólidos desde os primeiros dias de vida tem se mostrado tão importante quanto a ingestão de dieta líquida para atingir bom desempenho. Este é um desafio ainda mais importante nas semanas em torno do desaleitamento, principalmente para bezerras que recebem grandes volumes de leite ou sucedâneo.

Mas por que a ingestão de alimentos sólidos é tão importante?   

Porque o consumo precoce de alimentos sólidos é o fator determinante para o desenvolvimento ruminal, sendo que a composição e forma física da dieta sólida podem modificar a taxa de desenvolvimento (Tabela 1). Preconiza-se o fornecimento de grãos na forma de concentrados, ricos em carboidratos prontamente fermentáveis, os carboidratos não fibrosos CNFs (encontrados em abundância em grãos como o milho e o sorgo).  

Considerando que nessa fase a capacidade de ingestão é baixa, a maior eficiência fermentativa dos concentrados, aliada ao perfil fermentativo, irão auxiliar no estabelecimento da população microbiana, gerando maiores produções dos dois principais ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) responsáveis por nutrir o epitélio ruminal e assim estimular o crescimento e diferenciação do mesmo, os ácidos butírico e propiônico. Dessa forma, conforme ocorre o aumento gradual no consumo de concentrado, a população microbiana do rúmen aumenta em número e variedade, ao passo que os produtos da fermentação estimulam o crescimento do órgão e também a alteração do metabolismo para utilizar como fonte de energia os produtos da fermentação.

Tabela 1. Efeito de alimentos concentrados ou de forragem em parâmetros de desenvolvimento ruminal.
Os concentrados fornecidos para as bezerras devem ser formulados especialmente para essa categoria animal, contando sempre com fontes de proteína verdadeira, de preferência o farelo de soja, desconsiderando o uso de fontes de nitrogênio não proteico (NNP) como tentativa de aumentar a produção de proteína microbiana. Como o rúmen de bezerros ainda está em desenvolvimento, o NNP pode se acumular e levar a intoxicação dos animais.

Davis e Drackley (1998) sugerem concentrados contendo de 16 a 25% de FDN. Estas amplas faixas de recomendação de teores de FDN e FDA revelam dois pontos importantes em relação aos teores de fibra nos concentrados. Enquanto os teores mínimos têm como objetivo garantir a saúde do epitélio ruminal, os teores máximos garantem a inclusão de ingredientes de alta digestibilidade. Quando se trabalha dentro desta faixa, evita-se que a inclusão de ingredientes demasiadamente fibrosos diminuam o conteúdo energético da dieta e prejudiquem o desempenho, mas ao mesmo tempo garante-se que o pH ruminal seja adequado.

No entanto, é comum encontrar concentrados comercias contento de 13 a 14% de FDN, na tentativa de fornecer ao máximo fontes ricas em carboidratos altamente fermentescíveis como o amido. Muitos dos efeitos negativos observados, com o fornecimento de concentrados inadequados em fibra, estão relacionados a alta taxa de fermentação do amido, que somada a baixa capacidade de absorção de AGCC no epitélio em desenvolvimento pode culminar em baixos níveis de pH ruminal (Tabela 1).

Nestas situações são comuns as grandes variações de consumo de concentrado. Além disso, a falta de fibra suficiente para o atrito com a parede ruminal pode causar acúmulo de queratina nas papilas (hiperqueratose) o que prejudica a absorção dos produtos da fermentação resultando no acúmulo ainda maior de ácidos, e pode também prejudicar desempenho. Alguns autores constataram que a oferta de concentrados com alto teor de amido tendem a reduzir significativamente o pH ruminal, quando comparado a uma dieta com teor de FDN mais elevado.

O milho é o principal ingrediente energético das rações para os ruminantes e a fonte de energia preferida de bezerros no concentrado inicial. A inclusão em concentrados iniciais convencionais situa-se em torno de 60%, e considerando que cerca 72% do grão de milho é composto por amido, um concentrado convencional pode apresentar 43% de amido na matéria seca da sua composição. Nesse contexto, a substituição parcial do milho por fontes alternativas, com vistas em adequar o teor de fibra do concentrado e estabilizar o consumo, pode beneficiar o ambiente ruminal e, consequentemente, o desempenho dos animais. Além disso, pode reduzir o custo da dieta, levando em consideração que o milho é um produto amplamente utilizado também em dietas de animais monogástricos.

É importante salientar que ao elevar os teores de FDN e FDA no concentrado destes animais, a qualidade desta fibra deve ser considerada de forma que o desempenho não seja reduzido. Alguns coprodutos da indústria podem ser utilizados substituindo parcialmente o milho, sem prejudicar o desempenho de bezerros na fase de aleitamento (Oltramari et al. 2016, Maktabi et al. 2016). Mesmo sendo pobres em amido, a qualidade do FDN de ingredientes como a polpa cítrica, polpa de beterraba e a casca de soja os tornam bons substitutos energéticos. Estas substituições tornam o concentrado mais seguro pelo aumento do FDN de alta qualidade que será degradado no rúmen e transformado em energia para o animal.

Não há um consenso entre os pesquisadores sobre o uso de forragem na dieta de bezerros em aleitamento. Sabe-se que a capacidade de fermentação da fibra ainda é pequena e que o perfil de fermentação resultante é menos interessante em comparação com o concentrado. Além disso, pode haver a substituição do consumo de concentrado pelo consumo de forragem, ou a diminuição do desempenho. Por isso, durante muitos anos o fornecimento de forragem foi desencorajado até o desaleitamento. No entanto, em algumas pesquisas ou em fazendas que oferecem forragem, principalmente na forma de feno picado nessa fase, os animais mostram melhor consumo de concentrado e consequentemente ganho de peso durante o desaleitamento. Esse possível benefício da inclusão de forragem pode ser discutido seguindo duas linhas de raciocínio.

Sabe-se que o consumo de forragens aumenta o estímulo físico à parede do rúmen, provocando desenvolvimento muscular, logo aumentando o peso e volume do órgão (Tabela 1). Dessa forma, animais alimentados com grandes quantidades de leite, que por consequência têm menor ingestão de concentrado, quando possuem oferta de forragem têm consumo de alimento sólido aumentado, sem alteração no consumo de concentrado. Outra forma de interpretar os benefícios com a inclusão de forragem durante o período de aleitamento é explorar possíveis melhorias no ambiente ruminal dos bezerros. Como apresentado na Tabela 1, os volumosos possuem ação positiva sobre o pH, estímulo de ruminação e salivação, e motilidade ruminal. Um aspecto importante é que se o feno for fornecido a vontade ele deve ser de alta qualidade, enquanto que se ele for incluído no concentrado inicial para ajustar o teor de FDN pode ter menor qualidade, sendo as inclusões pequenas (em torno de 5%).

Em suma, podemos ajustar o FDN da dieta sólida tanto pela inclusão de fibras de qualidade ou pelo fornecimento limitado de feno junto ao concentrado. Mas devemos sempre lembrar que os carboidratos prontamente fermentáveis possuem papel chave no processo de desenvolvimento ruminal, e garantir que o bezerro aumente gradualmente o seu consumo é mais eficiente que seguir as “novas modas’’ que surgem para a alimentação nessa fase.

Referências bibliográficas:

Davis, C.L., Drackley, J.K. 1998. The development nutrition and management of the young calf. (Iowa State University Press: Ames, IA).

Khan, M.A., Bach, A., Weary, D.M., von Keyserlingk, M.A.G. 2016. Invited review: Transitioning from milk to solid feed in dairy heifers. J. Dairy Sci., v.99, p.885-902.

Maktabi, H., E. Ghasemi, and M. Khorvash. 2016. Effects of substituting grain with forage or nonforage fiber source on growth performance, rumen fermentation, and chewing activity of dairy calves. Anim. Feed Sci. Technol. 221:70–78.

Oltramari, C.E., Nápoles, G.G.O., De Paula, M.R., Silva, J.T., Gallo, M.P.C., Soares, M.C., Bittar, C.M.M. 2016. Performance and metabolism of dairy calves fed starter containing citrus pulp as a replacement for corn. Animal Production Science.

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