Uso de ureia na alimentação de ruminantes

Postado em: 04/01/2019 | 11 min de leitura Escrito por:
Os ruminantes, de modo geral, necessitam de um suprimento adequado e equilibrado de proteínas, energia, sais minerais e vitaminas, para atender suas exigências nutricionais que estão diretamente ligadas ao seu desenvolvimento e produção.

A utilização de fontes alternativas de proteína na produção animal é de extrema importância, uma vez que fontes convencionais são concorrentes com a alimentação humana. A ureia destaca-se como uma fonte de nitrogênio não-proteico (NNP), que vem sendo bastante utilizada na alimentação de ruminantes, apesar de sofrer limitações devido à sua baixa aceitabilidade pelos animais, sua segregação quando misturada com outros ingredientes e sua alta toxicidade que é agravada pela elevada solubilidade no rúmen.

A ureia, quando ingerida, é hidrolisada em amônia, que é tóxica para todos os animais vertebrados. Mas os ruminantes conseguem utilizar essa amônia, graças à simbiose com microrganismos naturalmente presentes no seu rúmen-retículo, os quais empregam a amônia como substrato para a síntese de suas próprias proteínas.

Quando esses microrganismos passam com o bolo alimentar para o abomaso e duodeno, são então digeridos pelo ruminante, que assim se beneficia da proteína microbiana, de alta qualidade.

Esse mecanismo ocorre inclusive em ruminantes que não recebem ureia sintética na dieta. Naturalmente há uma pequena quantidade de ureia na saliva desses animais, produzida no fígado, a partir da amônia originária da degradação normal das proteínas presentes no organismo do animal. Quando o animal rumina, a saliva produzida leva essa ureia proveniente do fígado (“ureia endógena”) para o rúmen-retículo, onde ela vai atuar como substrato para a proliferação constante dos microrganismos.

O rúmen necessita de certos requisitos para um bom funcionamento e atividade da microflora (população de microrganismos) que nele existe, e dentre essas exigências está à necessidade de 1% de nitrogênio (N). No período da seca as pastagens geralmente não atendem essa exigência, podendo ser suprida pelo uso de ureia. Vale ressaltar que, o equivalente proteico desse insumo varia de 282,02% a 290%; porém, a média utilizada na alimentação animal é de 283%.

A ureia pode ser considerada uma alternativa interessante, principalmente no período das secas, podendo ser fornecida em diferentes sistemas de alimentação, como por exemplo, associada ao sal mineral, em misturas múltiplas, com cana-de-açúcar, capim picado, silagem, concentrados e outros.
 

Vantagens da utilização de ureia na alimentação de ruminantes:

- É uma tecnologia simples e acessível a qualquer produtor;
- É uma fonte de nitrogênio não-proteico de baixo custo;
- Possui baixo custo de implantação;
- Reduz perdas de peso nos animais no período seco;
- Mantém e/ou estimula a produção de leite.

Para uma melhor eficiência no desempenho dos animais suplementados com uma fonte de nitrogênio não-proteico (NNP), estudos indicam o uso de uma fonte de enxofre para que aminoácidos sulfurosos sejam sintetizados. Uma das indicações seria a combinação de ureia com sulfato de amônia ((NH4)2SO4) na proporção de 9/1.

A utilização de nitrogênio não-proteico (NNP) deve sempre também ser associada a uma boa fonte de energia, já que a síntese de proteína microbiana através do nitrogênio (N) é um processo que necessita de boa quantidade de energia. Dentre essas fontes energéticas, pode-se utilizar cana-de-açúcar, melaço de cana, entre outras.

Em sistemas extensivos, as necessidades nutricionais dos ruminantes podem ser plenamente atendidas em pastagens consorciadas ou de gramíneas mais nobres, especialmente nas épocas mais favoráveis do ano. No entanto, em períodos de estiagem as necessidades alimentares dos ruminantes deixam de ser atendidas, principalmente em proteínas, uma vez que nessa situação, as forrageiras apresentam baixas taxas de crescimento e baixos níveis proteicos. Nessa condição, o fornecimento de ureia visa suprir uma deficiência proteica da dieta, resultando em uma melhor eficiência no desempenho dos animais.

Já em sistemas de produção intensiva, em que as necessidades nutricionais (especialmente em proteína), são plenamente atendidas, a ureia pode ser utilizada como fator de economia. Quando associada a fontes alimentares energéticas, poderá substituir integralmente os farelos proteicos das rações, que geralmente são os componentes mais onerosos, promovendo assim, uma economia na utilização desses componentes.

"Mandamentos" para fornecer ureia com segurança:

A Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo formulou uma lista de “mandamentos” que devem ser seguidos para que a ureia seja fornecida com segurança aos ruminantes:

1) Introduza a ureia gradativamente, permitindo a adaptação dos microrganismos a doses crescentes de ureia. Se houver alguma interrupção no fornecimento (dois dias ou mais), reinicie o fornecimento observando um novo período de adaptação.

O período de adaptação deve ser de uma semana pelo menos, e nele a concentração de ureia não deve passar da metade daquela prevista para o período de uso normal. Na realidade, o período de adaptação pode se estender por até dois meses decorridos do início da suplementação com ureia, período esse em que se observa uma melhoria paulatina no desempenho do animal.

2) Após o período de adaptação, limite o fornecimento de ureia ao máximo de 30 g/100 kg de peso do animal/dia.

Por exemplo, se pretende fornecer ureia para novilhos de 300 kg de peso, então a quantidade máxima diária de ureia é de 90 gramas/animal (30 g x 300/100 kg). Se os animais forem muito pesados, a quantidade diária de ureia não deve exceder o limite de 200 gramas/animal.

3) Evite que o animal ingira a ureia em uma única dose diária. Fracione tal dose em várias refeições (tratos) e, se isso não for possível, dê preferência por misturar a ureia com um volumoso deixado à vontade dos animais no cocho. Espontaneamente os animais vão procurar o cocho para comer diversas vezes ao longo do dia. Isso diminuirá o risco de ingerir a dose diária de ureia de uma vez só.

4) Evite introduzir ureia em lotes de animais famintos. Se um lote vem submetido a um período prolongado de jejum, aguarde alguns dias suplementando somente o volumoso. Forme lotes homogêneos de animais e aparte os dominantes. Apenas introduza a ureia quando o consumo voluntário do volumoso tornar-se estável no lote de animais.

5) A ureia também pode ser fornecida misturada ao concentrado ou junto ao sal mineral. Há vantagens e desvantagens nessas alternativas, mas para grandes lotes de animais, alimentados coletivamente, o mais seguro é mesmo misturar com o volumoso.

A cana picada (muito pobre em proteína) é o principal volumoso a ser "corrigido" com ureia, sobretudo porque também fornece energia prontamente disponível no rúmen, a sacarose. Nesse caso, o padrão é adicionar 0,5% de ureia à cana durante o período de adaptação. A concentração de ureia pode ir aumentando gradativamente até atingir o limite de 1,0% após a adaptação.

Por exemplo, para uma carreta contendo 2.000 kg de cana picada, adiciona-se 10 kg de ureia no início da adaptação (2.000 kg x 0,5%). Para animais bem adaptados, a quantidade de ureia, nesse exemplo, pode chegar a 20 kg por carreta de cana picada (2.000 kg x 1,0%).

6) Para facilitar a mistura da ureia no volumoso, faça uma diluição dela em água, empregando quatro litros de água para cada 1 kg de ureia. Espalhe a solução sobre o volumoso com um regador e use um garfo (gadanho) para melhor distribuir a mistura no cocho. De preferência, o cocho deve ser coberto (para evitar chuva) e furado embaixo, para que um eventual excesso dessa solução de ureia não se acumule no fundo, o que favoreceria uma intoxicação.

7) Ao invés de ureia pura, utilize uma mistura de ureia com sulfato de amônio, na razão de 9:1. Além de ser ele próprio uma fonte de NNP, o sulfato de amônio fornecerá enxofre, necessário para os microrganismos sintetizarem os aminoácidos metionina e cisteína, importantes constituintes da proteína.

8) Procure fornecer também um concentrado energético, o qual representa uma fonte de energia prontamente disponível no rúmen, que vai estimular a proliferação microbiana (e, consequentemente, a síntese de proteína a partir da ureia).

9) A proteína verdadeira, obviamente, é de melhor qualidade nutricional que a ureia. Portanto, não substitua um alimento proteico por ureia e empregue essa somente para suplementar o déficit proteico da dieta. Além disso, há uma recomendação de que a ureia não deve fornecer mais que um terço do nitrogênio total da dieta. Para estimar tal nível máximo de inclusão da ureia na dieta, multiplique o requisito proteico do animal pelo fator 0,127.

Por exemplo:

requisito proteico de um garrote inteiro, zebuíno, com 350 kg de peso vivo, ganhando 1,0 kg/dia = 681 g proteína/dia

proteína verdadeira (2/3 do requisito proteico) = 681 / 3 x 2 = 454 g proteína/dia

ureia = 0,127 x requisito proteico = 0,127 x 681 = 86 g ureia/dia

Nesse exemplo, caso fosse adotado o critério discutido no item 2, a quantidade de ureia a ser fornecida seria de 105 g/dia (30g x 350/100). Opte pelo critério que resulta na menor quantidade de ureia (86 g/dia) e certifique-se de que a dieta esteja mesmo fornecendo 454 g de proteína verdadeira.

10) Apesar das regras gerais acima expostas, não há uma "receita" única para o fornecimento de ureia aos ruminantes. As recomendações acima devem ser adaptadas caso a caso, e o bom-senso deve prevalecer. Acompanhe com atenção especialmente o consumo voluntário dos animais. Diante de uma súbita e acentuada redução do consumo voluntário, ou diante de sintomas de intoxicação, suspenda o fornecimento de ureia.

Intoxicação por uréia

Nos mamíferos em geral, a ureia sintetizada no fígado e excretada pelos rins é a principal via de detoxicação (eliminação) da amônia (NH3) que surge no catabolismo das substâncias nitrogenadas (aminoácidos, ácidos nucléicos e outras substâncias nitrogenadas contidos no organismo ou adquiridos através da dieta).

Os ruminantes, ao longo da evolução, se adaptaram a dietas com baixo teor proteico, típico das pastagens de gramíneas, desenvolvendo um mecanismo compensatório capaz de reciclar a ureia que seria normalmente excretada pela urina. Principalmente quando a dieta é pobre em proteína, essa ureia endógena (sintetizada no fígado do animal) é intensamente reabsorvida nos dutos coletores dos rins e segue pelo sangue até as glândulas salivares.

Assim, a saliva do ruminante é rica em ureia e, mediante a ruminação, essa ureia é levada ao rúmen, onde é empregada na síntese de proteína microbiana. Graças a tal circulação de ureia no rúmen, os microrganismos ali presentes têm sempre uma fonte de nitrogênio à disposição, mesmo nos intervalos entre as refeições do ruminante ou quando a dieta é relativamente pobre em proteína.

A intoxicação surge quando o animal ingere uma quantidade excessiva de ureia, ou quando não há a devida adaptação da flora microbiana ao uso da quantidade de ureia adicionada na dieta. Pode se dever também à falta de uma fonte de energia prontamente disponível no rúmen, pois a síntese de proteína microbiana é endotérmica, só ocorrendo quando há energia suficiente para tal.

Uma outra causa de intoxicação é a presença de água no cocho. A ureia tem alta higroscopicidade (capacidade de reter umidade) e o produto molhado deve ser descartado para que não seja ingerido pelos animais.

A intoxicação apresenta-se principalmente de forma aguda, quando a amônia proveniente da hidrólise da ureia se acumula no rúmen e daí passa para a circulação. Entre 30 e 60 minutos após a ingestão excessiva da ureia, o animal intoxicado apresenta sinais clínicos como tremores musculares, salivação intensa, ofegação, timpanismo, apatia, ataxia (incoordenação motora e desequilíbrio) e sudoração. Em casos graves, o animal fica prostrado, com as extremidades estendidas, tem convulsões e taquicardia, e pode morrer.

Geralmente não há tempo para realizar o diagnóstico de intoxicação através de provas laboratoriais (amônia sanguínea), a não ser talvez a leitura do pH do líquido ruminal, que se apresenta alcalino (acima de 7,5). O histórico de adição de ureia na dieta, portanto, passa a ser o principal fator a considerar no diagnóstico. Na necropsia, pode-se notar timpanismo, congestão da carcaça, edema pulmonar, espuma nas vias aéreas superiores e odor de amônia ao abrir o rúmen. Pode haver excesso de fluido no saco pericárdico e hemorragia no miocárdio.

Tratamento

Para aliviar o timpanismo, deve-se passar uma sonda ruminal. Por ela, adiciona-se alguns litros de ácido acético a 6% (vinagre) para baixar o pH ruminal. Isso inibe a ação da urease, a enzima que hidrolisa ureia e forma amônia. Havendo recomendação do médico veterinário, aplica-se via endovenosa uma solução contendo 300 mL de ácido acético 1%, 500 mL de glicose 20% e sais de Ca e Mg. Em geral, o animal que consegue escapar de um episódio de intoxicação por ureia não fica com sequelas, podendo voltar a ser alimentado com ureia posteriormente.

Pode misturar ureia na silagem de milho?

Se a cana tem baixa proteína e colocamos ureia para elevar este teor, podemos fazer isso com a silagem? A resposta é NÃO.

Isso porque o fornecimento de cana mais ureia segue o princípio da sincronização entre teores de proteína e energia e, ainda, a velocidade com que isto seja aproveitado e o quanto de tudo isso é ingerido pelo animal.

Em termos de sincronismo de alimentos, a silagem não tem a mesma energia que “combina” a cana com a ureia. Dessa forma, falta sincronismo entre energia e proteína, principalmente na velocidade de aproveitamento da energia da silagem com a “proteína” da ureia (nitrogênio não proteico).

Outro ponto fundamental é que a ureia deve ser ingerida em quantidades adequadas. Ao fornecermos a cana mais ureia, o animal ingere quantidades pequenas de cana por dia, por volta de 20 a 25 kg de cana por dia. Sendo assim, ao comerem até 25 kg, não ingerirão mais que 250 gramas de ureia por dia, não correndo o risco de intoxicação. Já a silagem as vacas consomem facilmente 30 a 35 kg de silagem por dia, considerando uma vaca de 500 kg de peso vivo, aumentando o risco de intoxicação.

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Fontes consultadas:

Utilização de ureia para ruminantes (MilkPoint)

Fornecimento de ureia para ruminantes (CATI)

Caso prático de campo: ureia acrescida na silagem? (MilkPoint)


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